06 janeiro 2010

As formigas me vinham sempre. Por hora eu cutucava e fazia o assobio de chamado, por outra eu nada fazia, jazia o meu corpo na sombra da luz, ignorando a vida que tinha na minha carne, o gosto da pele que elas ansiava, as de carne. Esperava ansioso por aquelas que não queriam me tirar um pedaço carnal com seus dentinhos miúdos, partindo comigo por entre os dentes e deixando um pedaço da pele vermelha, como se tivesse tocado fogo. A coçeira era o castigo, a dependência de mim mesmo, das unhas em toco, das falanges pra me coçar e dar prazer, onde da ferida nascia o sumo. "É o proposito da pequena criatura?" tic taqueava martelantemente o meu pensamento "vir aqui me marcar e me deixar comigo, ao abandono da noite, do dia, até do meio da tarde". Mas elas sempre voltavam, sempre. As formigas voltam para o que lhe interessam, pode não ser um pote de açúcar, como diz a lenda, ou talvez seja ele enterrado no corpo da vítima em lugar distante jamais pensado por ela. Jamais pensavam em alcançar cavidades latentes latejantes gritantes sanguíneas. Jamais aventuraram-se além corpo além ventre, sentido coração. Talvez pela cor vermelha viva do sangue. Pelo medo do coração ter um gosto mais saboroso que aquele da carne que apodrece na batida do tempo na vida. Na frente dos olhos de um ser é difícil encontrar um formigueiro com nome próprio e inquilino que pague aluguel em dia, esse não é em dinheiro. Do amargo ao diabético, a preferência das garras se dá por um deslize no lado esquerdo da língua, no lado esquerdo do peito. Repleto de marcas é aquele que tem um coração mais doce que o normal, porque ele dança com a vida conforme os compassos, e se torna uma vítima banal das tentações fatais. Esse tal aprende a desamar e criar um riso voluptoso e um abraço em 360 graus a cada pedaço de carne levado pelas formigas de pele preta, as mais audaciosas da face da terra.

Artigo 1,76
Estudo somático
Experiência 1 - Austrália, Liverpool 1964

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