16 setembro 2010

O telefone tocava longe, distante. Um toque agudo que se esvazia pela sala grande, vazia e escura. Meus dedos do pé, tão frios, davam início a uma dormência que subia-me pelas pernas até que uma vertigem roubava toda a lucidez dos meus poucos sentidos ainda alertas. No peito, a dor pulsava muda. Meu coração silenciava, a medida em que perdia, lentamente, a força dos batimentos. Silêncio. Frio. Silêncio. E o telefone tocando, tocando. Cada vez mais distante. Fechei os olhos, guardando em meus olhos as nuvens carregadas que pintavam minha íris azul. O céu estaria da mesma cor na manhã seguinte. Meus olhos não.

Diziam por aí que de amor, ninguém morre. O cinza tomou a cor dos meus olhos.
Nunca acreditei no que diziam mesmo.


Pág. 276, Quando chega o fim.

14 junho 2010

Era noite, mas por algum motivo o terceiro ano inteiro estava reunido no pátio do colégio. Alguns alunos comiam e outros jogavam. Umas línguas afiadas fofocavam e poucos bons ouvidos simplesmente ignoravam. Eu estava, no meio daquela confusão, mais ausente do que presente; quando alguém parou na minha frente, e me fez voltar à realidade. De imediato não reconheci quem era ali parado, mas depois de uns segundo lembrei já te-lô visto em uma foto. Era um amigo seu. Eu o olhei e dei um pequeno sorriso, esperando para ver o que ele queria. Então, para a minha surpresa, o indivíduo que eu mal conhecia, começou a falar milhões de besteiras sobre mim. E para piorar, quando eu achei que havia acabado, o garoto disse "Foi ele quem me contou!", e em seguida saiu com um sorriso vitorioso estampado no rosto. Congelei. Como assim você havia dito todas aquelas coisas sobre mim? Era mentira, óbvio. Tinha que ser! Foi então que eu te vi descendo as escadas, e resolvi ir falar com você. Fiquei parada esperando você chegar ao fim da escada, e quando você estava próximo, eu não resisti e te abracei, pois era uma questão de tempo para ouvir da sua boca que aquilo tudo era mentira. Porém, para minha surpresa você não correspondeu ao meu abraço, e ainda por cima me afastou. O fitei pasma e vi em seus olhos um olhar que me fez sentir o mais desprezível dos seres. Eu abri a boca pra falar, mas antes que eu conseguisse expressar qualquer coisa, você começou a jorrar palavras para cima de mim. Eram palavras podres, nojentas, malvadas, mentirosas, desagradáveis, que chegavam aos meus ouvidos como lâminas bem afiadas. Em questão de segundos o volume da sua voz havia subido, e você não estava somente falando alto, mas, sim, gritando, e o colégio inteiro estava olhando. Quanto mais você gritava, mas eu me encolhia. O que diabos estava acontecendo?! O que eu tinha feito de mal pra você?! Sempre lhe quis bem. Porque você estava me tratando daquele jeito?! Eu estava tão perdida, quanto às pessoas que assistiam aquilo tudo de fora. Já estava ficando difícil de respirar, e as besteiras que você falava ficavam cada vez mais sem nexo e grosseiras. "Eu nunca gostei de você. Você é uma trouxa de não ter percebido que eu era falso. Sua amizade pra mim nunca foi nada. Você não é nada pra mim." Você falou. E foi a última coisa que eu ouvi, antes de tudo ficar escuro e eu perder a consciência.

pág. 32, E nesse tempo todo eu não pude ver.

20 janeiro 2010

Ela se encolheu dentro do sobretudo preto. A noite estava fria e aquele beco escuro era extremamente úmido. O vento canalizado que assobiava ao entrar ali parecia uma maré de más energias. Mas nada disso importava muito, ela só pensava mesmo na demora dele. Por que ele estava demorando tanto? Por que ela tinha que esperar tanto? Algo poderia ter saído errado?
Não, não tinha como ter dado errado. Eles tinham esquematizado tudo com muita paciência e precisão... Era o plano perfeito! Tinha dado certo, certeza, ela afirmou pra si mesma. Ao menos sua parte tinha dado certo. Quanto à parte dele... Bom, por isso ela não se responsabilizava, era um problema todo dele. Ela tinha feito tudo exatamente como o combinado, queria sua recompensa. Como ele iria arrumar uma recompensa se tivesse se saído mal? Aí estava outro problema que não era dela. Ela só queria sua recompensa. E queria o mais rápido possível, pois assim poderia se ver livre de toda aquela situação logo.
De repente, ouviu passos apressados e uma respiração ofegante. Sentiu o coração disparar. Podia estar em perigo. Será? Quando ela foi se esquivar para dar uma olhada na rua, antes deserta, ele virou a esquininha do beco, parando de correr com um baque surdo na parede. Enquanto ele recuperava o fôlego, ela lhe passou um sermão abafado e lhe fez inúmeras perguntas aos cochichos. O pânico que se instalara dentro dela ao pensar que podia estar em perigo tinha sumido, e agora só havia impaciência e sede de informações.
Sem se preocupar muito com o que ela dizia, ele sentou no chão meio úmido e fez o coração desacelerar da corrida. Acalmou as pernas e os pulmões. Quando se estabilizou, colocou a mão dentro da jaqueta de couro e sorriu triunfante ao constatar que o pacote ainda estava dentro do bolso interno. Ainda sorrindo, se levantou e a olhou pela primeira vez desde que tinham saído de seu apartamento naquela noite, com todo o plano em mente. O breu do beco dificultava sua visão, mas constatou o quão bonita ela estava. Indiscutivelmente indignada, mas ainda assim estupidamente bonita. Talvez fosse o sobretudo, talvez fosse o ar de indignação ou mesmo pavor, talvez o mistério e a tensão da noite... Ele não saberia dizer.
Que diabos! Ela o repreendeu por ainda estar calado e, ainda por cima, tão sorridente. A situação não pedia sorrisos, mas sim explicações, informações, resultados. Com uma calma que era naturalmente dele, ele explicou a ela nada além do necessário - achou melhor deixar de fora sua fuga por um triz, afinal não precisava de mais sermões - e no final, tirou de dentro da jaqueta o tão estimado pacote. Quase viu os olhos dela brilharem numa mescla de orgulho e alívio. Sem mais demora, ela foi logo exigindo sua recompensa. Apressada como sempre, ele pensou rindo por dentro. Colocou a mão dentro do pacote e entregou a ela uma parcela do conteúdo.
Menos que a metade, menos que o combinado. Cachorro! Ele soltou uma gargalhada, sem se preocupar com o silêncio que tinha que manter. Gostava de vê-la nervosa. Tirou de dentro do pacote mais uma parcela. Ela conferiu o que tinha em mãos e guardou num dos bolsos do sobretudo, aparentemente satisfeita. Deu uma olhada no belo relógio de prata que mantinha no pulso e soltou um longo suspiro. Achou melhor se despedir e ir embora antes que ficasse muito mais tarde. Ele, guardando o pacote dentro da jaqueta novamente, se ofereceu para acompanhá-la até o apartamento. Alegou que não era mais seguro, àquela hora da noite, uma moça ir pra casa sozinha. Pensou que o argumento escondia as segundas intenções gritantes na voz e na face. Ela subiu a gola do sobretudo e, com uma risada deliciosa acompanhada do som provocado pelo salto alto contra o asfalto, virou a esquininha do beco.
Por isso preferia trabalhar sozinha.

Contabilizando Crimes, capítulo 12, pagina 91.

18 janeiro 2010

O destino é fedido.
Tive certeza absoluta disso quando senti a marretada que foi toda aquela situação horrorosa. Sempre acreditei em destino, e desde o início, que você fosse o meu. E veja, que destino maldito! Foi uma peça - de mal gosto e meio torta - que a vida me pregou, e agora sei que o destino é só uma coisa que um romântico bobão inventou. É tudo charlatanice.
Mas no amor ainda acredito, porque esse eu duvido que seja assim corrompível.


pág. 93, O amor e flocos de neve.

11 janeiro 2010

João sabia que o bico e a cara amarrada eram artifícios meus que não duravam mais que dez segundos. Ele se divertia muito com isso. Por isso fazia aquela cara despreocupada que me dava nos nervos e fingia não notar minha irritação gritando em meus olhos lacrimosos. Por dentro eu sentia estar prestes a explodir! Ele sabia que minha resistência se desfazia fio a fio e logo eu estaria totalmente desarmada, esperando que ele se aproximasse e me beijasse. Me desarmei, então. Mais rápido do que ele esperara. De que adiantaria resistir por mais um segundo ou dois se em nada alteraria o resultado? Desfiz meu bico e comecei a sorrir, corando as bochechas. Como eu era boba perto de João! Ele riu, fez pose de difícil. Depois caminhou lentamente em minha direção, pegando minha mão e beijando-me os dedos. Meu sangue ardeu quente nas bochechas e o abracei, encostando meu coração no dele. O som dos dois batendo juntos era a coisa mais linda que eu já ouvira.


Pág. 51, Quando é amor.